Ano de Produção: 1928
Diretor: Paul Leni
Roteirista: J. Grubb Alexander
Atores Principais:
Conrad Veidt – Gwynplaine
Mary Philbin – Dea
Olga Baclanova – Duchess Josiana
Brandon Hurst – Barkilphedro
Cesare Gravina – Ursus
Stuart Holmes – Lord Dirry-Moir
Josephine Crowell – Queen Anne
George Siegmann – Dr. Hardquanonne
Sam De Grasse – King James II
Zimbo – Homo, the Dog
Assistir um filme mudo e preto-e-branco é uma experiência cinematográfica diferente, especialmente no que se refere à figura do ator. Sou fascinado pelas grandes atuações. Por isso, ao mesmo tempo em que é incômodo não poder ouvir o que os personagens estão falando e ter que esperar pelo trecho escrito do diálogo na tela preta, os atores compensam com o seu fantástico trabalho com a face e com o corpo. Todos eles são magnificamente expressivos. Fiquei particularmente impressionado com o desempenho de Conrad Veidt. O cara é um monstro de ator.
Seu personagem é desfigurado quando criança por um cirurgião inescrupuloso – o Dr. Hardquanonne – com um sorriso eterno. Quando ele se desprende de seus captores, os quais são banidos da Inglaterra do século XVIII, Gwynplaine, perdido numa paisagem desolada, resgata um bebê dos braços da mãe morta e bate à porta de Ursus, um homem solitário, dono de uma companhia mambembe de teatro. A criança que ri e o bebê (uma menina cega) são adotados por Ursus e crescem como nômades, vagando pelo interior da Inglaterra. Já adulto, Gwynplaine ganha a vida a partir de sua popularidade como o palhaço da trupe. Popularidade profundamente indesejada, na verdade. O Homem que ri odeia o fato de que todos riem a sua volta, menos ele, apesar de seu rosto dizer diferente. Dea, a menina cega, é sua parceira de palco. Ela o ama desde pequena.
É principalmente a partir daí que se estabelece o trágico na vida do Homem que ri. Apesar de corresponder os sentimentos de Dea, ele não se entrega por não se sentir merecedor de seu amor. Ele considera injusto se aproveitar do fato de que ela não sabe de sua deformidade. Personagens literal ou figurativamente monstruosos, que não se deixam amar e ser amados são um dos temas que mais me interessam, tanto na literatura quanto no cinema. Esse filme, por exemplo, é baseado em obra homônima de Vitor Hugo. Outros exemplos são vários – o próprio "Corcunda de Notre Dame", “A Metamorfose” de Kafka, “O Fantasma da Ópera”, “A Bela e a Fera”, a Nastácia de “O Idiota”, “A Mosca”, “O Homem que ri”. Conflitos dessa natureza são fascinantes porque possuem uma natureza invertida. Gwynplaine não é um personagem cuja felicidade é negada pelas circunstâncias da vida. Pelo contrário, o Homem que ri rejeita a felicidade, por mais que a vida lhe ofereça várias chances. Essa condição de seu personagem dá a Conrad Veidt diversas oportunidades de brilhar. As cenas de intimidade e de sedução com Dea e com a Duquesa Josiana são espetaculares. Ambas se entregam completamente em seus braços, apaixonadas. Gwynplaine experimenta várias sensações ao mesmo tempo, do desejo intenso, embora contido, passando pelo horror a sua própria imagem, à vergonha e à frustração por não se permitir consumar sua paixão, tudo com um sorriso gigantesco estampado no rosto. Em suma, o estupendo ator alemão não tinha sua voz e tampouco sua boca como instrumentos de trabalho. Conrad Veidt expressou todas suas emoções, em sua maior parte negativas, o que engrandece ainda mais o seu mérito, utilizando apenas seus olhos, seu corpo e seus músculos da face. O efeito é desconcertante e macabro.
Admirei também os artifícios usados para compensar as limitações técnicas próprias de um filme mudo e em preto-e-branco. Por exemplo, quando Dea encontra uma carta da duquesa endereçada a Gwynplaine, ela fica com ciúmes. Mas como, se ela não pode ver o conteúdo da carta, muito menos o seu destinatário? Ela sente um cheiro de perfume feminino imbuído no envelope. Engenhoso. Outra cena brilhante é a do banho da duquesa. Um mensageiro é impelido por Barkilphedro – o vilão – a espiá-la nua em sua piscina pelo buraco da fechadura, enquanto ele lê a mensagem às escondidas, originalmente destinada à Rainha Anne. A cena começa com Josiana entrando na piscina, nua. A câmera foca o seu reflexo na água por um microssegundo, até que a Duquesa cria ondas na água com seu pé. E aí, lógico, não conseguimos ver sua nudez por conta dessas ondulações.
O que não me agradou foi o excesso de melodrama do filme. Por um lado, cenas com alta carga melodramática permitem que o ator mostre ao público que ele sabe chorar. Por outro, a freqüência do chororô é tanta que chega uma hora que cansa um pouco. Todas as cenas de seu terço final têm um conteúdo melô bem exagerado, quase folhetinesco, cujos detalhes são tão numerosos, que não vale a pena reproduzi-los. No entanto, faz-se necessária uma exceção: a cena em que Gwinplaine está no castelo da Rainha, junto a seus pares nobres e precisa se casar com a duquesa Josiana. Quando ele revela seu sorriso permanente, todos riem e tripudiam de sua condição de palhaço pobre tentando se passar por algo que não é. Então, o Homem que ri finalmente permite que a raiva se sobreponha à auto-piedade e bravamente rejeita sua nova condição de nobre e seu casamento com a Duquesa. É o momento de redenção de Gwynplaine, pois, a partir de seu protesto, supera sua auto-imposta condição de freak e se afirma como homem. Decide, portanto, sair em busca de sua família, Dea e Ursus, que estão prestes a zarpar, em fuga da Inglaterra.
Como nota final, fica registrado o maior legado que esse clássico do cinema mudo nos deixou: o sorriso fixo e a aparência perturbadora do Homem que ri serviram de inspiração para Bob Kane e Jerry Robinson criarem o grande rival de Batman, o Coringa. Impressionante. O personagem atravessou centenas de anos, de Vitor Hugo a Heath Ledger.
Menção: O
Link no imdb.
Sou fã de personagens ditos "monstruosos" e seus complexos conflitos de personalidade. Já incluí a película na minha lista de prioridades. Inclusive, andei baixando várias das suas indicações nos últimos dias. Agora só falta colocar pra rodar no DVD!
ResponderExcluirAlém disso, esse filme vai ser uma grande chance pra vc conhecer mais do cinema mudo!
ResponderExcluirparece muito poético. quero ver!
ResponderExcluiracho que você, como artista plástica, Amorzão, vai gostar ainda mais!
ResponderExcluirAmei o filme. Baixei em outro site que dizia ser um filme de terror classico, mas é um drama romantico da melhor qualidade. Existe um versão de 2012 que ainda não assisti. Mas essa é incrivel. :)
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