Ano de Produção: 2010
Diretor: Lucy Walker
Co-diretores: Karen Harley e João Jardim
Estrelas Principais:
Vik Muniz
Tião (Sebastião Carlos dos Santos)
Zumbi (José Carlos da Silva Bala Lopes)
Suélem (Suélem Pereira Dias)
Ísis (Ísis Rodrigues Garros)
Irmã
Lida a sinopse de “Lixo Extraordinário”, logo pensei: esse vai ser um daqueles documentários sobre a realidade dura da pobreza, durante o qual choca-se e chora-se de cinco em cinco minutos. Até comentei (com o tom meio irônico) com a Amanda o fato de Moby ter feito a música do filme. “Sem dúvida que ele ia se envolver nesse filmes ecológicos, pró-reciclagem, pró-natureza.” Como discípula de Gaia, a Mãe-Terra, Amanda ficou muito brava. “Nem começou o filme e já tá com preconceitos! Depois reclama que seu gosto é considerado mainstream!” Depois de pedir as devidas desculpas, apertamos play.
Visto o filme, ele é mesmo um documentário sobre a realidade dura da pobreza, durante o qual choca-se e chora-se de cinco em cinco minutos. No entanto, é um ótimo filme. Até a marca dos vinte minutos, a película parece ser uma propaganda do trabalho do artista Vik Muniz, que, segundo ele mesmo, é o artista plástico brasileiro de maior destaque no exterior. Inicialmente, fiquei um pouco ressabiado com sua idéia de visitar o Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, o maior lixão do mundo, e engajar os catadores de lixo reciclável no seu trabalho artístico. Perguntei a mim mesmo se ele não ia dar uma de Sebastião Salgado, ou seja, tirar lindas fotos dos pobres e miseráveis, fazer um dinheirão com elas e ir embora tranqüilo, enquanto os modelos continuam lá, na mesma terrível situação.
Ledo engano. Feito o primeiro contato com os catadores “escolhidos”, ou melhor, os “fotografáveis”, o filme se eleva incrivelmente, pois seu foco sai do Vik Muniz e passa a se centrar nessas personalidades. E que personalidades! Apesar da convivência diária com a extrema miséria e repugnância do ambiente em que trabalham, eles demonstram uma grande capacidade de alegria e um alto grau de auto-respeito e de orgulho de seu trabalho. Eles repetem a mesma frase diversas vezes durante o filme: “Eu trabalho aqui porque eu não quero ser traficante, prostituta, mendigo, etc.” A minha personagem favorita é a cozinheira do lixão – a que todos chamam Irmã. Por pura bondade no coração, ela vai até lá, no meio da lixarada e do chorume, e faz o almoço dos catadores, utilizando carne e vegetais rejeitados, porém ainda na sua data de validade. O impressionante de Irmã é sua capacidade de síntese em frente à câmera. Sem instrução formal, ela resume a sua condição, seus problemas, suas aspirações com brilhantismo e sem nenhum traço de autocomiseração. E que rosto forte, fantástico! A sua foto ficou fenomenal, de perfil, com um saco de lixo equilibrado na cabeça.
Há a questão da proposta de trabalho do Vik. Ele e seu fotógrafo assistente tiram fotos dos catadores, as ampliam gigantemente no chão de um galpão através de um projetor e, em cima dessa projeção, os catadores acrescentam materiais sobre os traços das fotos, tudo sob a supervisão e orientação de Vik Muniz. Esses materiais (recicláveis) são todos provenientes do lixão do Jardim Gramacho. No fim, tira-se uma nova foto da foto original, acrescentada artisticamente de lixo. O resultado final fica muito bonito, especialmente a inspirada no “Marat”. É interessante notar que os catadores modelos convocados para trabalhar com o Vik gostam tanto da experiência que não querem mais a labuta no lixão. O orgulho pessoal de se tornar objeto de arte e de simplesmente trabalhar num ambiente sadio e criativo é suficiente para dar-lhes uma nova concepção de si mesmo. E essa nova identidade não permite mais a volta ao mundo do lixo, principalmente depois de verem suas fotos exibidas como obras de arte no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Isso comprova a conclusão de que não só a sociedade mas também o próprio catador associa a sua imagem com o seu material de trabalho, o lixo. A impressão inicial de que é possível ser feliz como catador de lixo no Jardim Gramacho se desfaz quase que completamente. Com a exceção de nossa querida Irmã, nenhum dos modelos volta ao trabalho no lixão. É nesse ponto que o meu receio inicial se desfez. Vik Muniz se recusou a desempenhar o papel predatório do artista inescrupuloso que deixa seus modelos pobres na mão. O artista leva Tião, um dos escolhidos e presidente da Associação dos Catadores de Jardim Gramacho, a Londres para vender sua foto num leilão. Questionado por sua própria esposa – “Você acha justo levar o Tião e apresentá-lo a um novo mundo, para depois ele voltar à sua vida miserável na “Waste Land”? – Vik Muniz defende que a escolha de ir ou não é do próprio Tião e ainda diz mais: “Eu, como ex-pobre, aceitaria o convite sem pestanejar, mesmo ciente de que teria de retornar à mesma vida de antes.” Concordo. E a visita valeu à pena. A foto foi vendida por vinte e cinco mil libras, cerca de cem mil reais. Vik reverteu tudo de volta a seus fotografados.
O que se pode comentar como ponto fraco do filme não me incomodou muito. Compreensivelmente, os personagens se emocionam e choram muito em várias situações – quando contam suas histórias do passado difícil, quando se vêem como obra de arte, quando descobrem por quanto suas obras foram vendidas... A grande quantidade de depoimentos dramáticos é até esperada e inevitável num filme desse tipo. As vidas das pessoas retratadas passam por uma verdadeira revolução. È natural que haja um rio de lágrimas a cada etapa vencida. Afinal, eles conquistaram algo que muitas vezes se leva uma vida para se conseguir: a auto-estima de volta. Em entrevista a Jô Soares, Tião faz a declaração definitiva: “Desculpa te corrigir, Jô, mas eu não sou catador de lixo. Sou catador de material reciclável. É diferente.”
Menção: O
Link no imdb.
Eu mesmo não assisti por esperar algo melodramático, mas gostei da crítica, fiquei interessado agora!
ResponderExcluirPor mais que você não goste do chororô, dá pra tirar muita coisa desse filme, nem que seja pela perspectiva do artista visual e seus projetos. Achei muito legal o aspecto interativo e social do trabalho do vik muniz, porque une um conceito interessante e a beleza plástica do resultado final.
ResponderExcluirEu compartilhava a mesma impressão (mais ou menos preconceituosa) sua e do Felipe Sobreiro, mas você já é a segunda pessoa que me diz que eu PRECISO assistir ao documentário. Já tá na lista!
ResponderExcluirgente! como não ficar indiferente à cena em que depois de tanto trabalho, findo o mês, assaltaram a sede da associação e roubaram todo o dinheiro destinado ao pequeno salário de todos a aqueles trabalhadores. quando o tião (presidente) pensa em desistir de tudo... como não querer desistir de tudo? me desesperei junto.
ResponderExcluirRealmente, é um filme que te traz para dentro da vida dos persoangens. São todos muito próximos mas também distantes da nossa realidade. Acho que o simples fato de eles serem brasileiros nos aproxima ainda mais. Filmão.
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