quarta-feira, 21 de setembro de 2011

GIMME SHELTER

Ano de Produção: 1970
Diretores: Albert Maysles, David Maysles e Charlotte Zwerin

Estrelas Principais:

Mick Jagger
Keith Richards
Charlie Watts
Mick Taylor
Bill Wyman
Jefferson Airplane
The Flying Burrito Brothers
Tina Turner

“Gimme Shelter” é considerado o anti-Woodstock, o fim da era Flower Power. Para quem não sabe, este documentário mostra o show de graça dos Rolling Stones em Altamont Speedway, no norte da Califórnia. Trezentas mil pessoas compareceram. O palco era baixo e absolutamente colado na platéia. A única barreira entre a banda e o público era a segurança contratada: um grupo de Hell’s Angels, bêbados e armados com facas e tacos de sinuca. Pelo menos uma morte foi registrada: Meredith Hunter, 18 anos, provavelmente um aspirante a Pantera Negra. Ele saca uma arma bem às vistas dos Hell’s Angels, a poucos metros de distância do palco. Na confusão, um dos Angels mata o garoto a facadas.

O filme começa como um documentário de rock normal. Para quem não é muito fã dos Stones, como eu, é até chato no início, pois a câmera registra as músicas do início ao fim, sem cortes. Nos intervalos entre uma canção e outra, flash forward para o dia seguinte, quando a banda se encontra na sala de edição dos diretores desse filme. Charlie Watts está particularmente abalado, especialmente quando um dos Hell’s Angels está ao telefone dizendo que não se arrepende do que aconteceu. Ele declara que, além de o cara ter puxado uma pistola, quem mexe com a moto de um Angel, tem que estar preparado para enfrentar as conseqüências. Watts, após alguns minutos em silêncio, com a voz embargada por um choro preso na garganta, só consegue dizer “what a shame...” É a cena mais tocante do filme. Talvez tivesse sido mais impactante se transportada para o final, depois de mostrada a cena fatídica. Mick Jagger está pálido, com o olhar ao longe. Não consegue dizer nada. Provavelmente, ele não entende como conseguiu continuar tocando apesar de toda a pancadaria e morte.

O documentário segue com a apresentação de umas três ou quatro músicas dos Stones, um trecho fantástico de Tina Turner cantando maravilhosamente, fazendo sexo com o microfone, intercalados com cenas dos empresários e advogados planejando o concerto em cima da hora em razão da repentina necessidade de mudança do local. A partir daí, o filme muda de direção e passa focar no público chegando em Altamont, durante o dia. Essa é certamente a parte mais interessante da película. As milhares de pessoas presentes estão literalmente doidaças. Parece que filmaram a vida em outro planeta. Estamos em 1969, o auge do movimento hippie. Ácido, maconha, heroína, pílulas de todo tipo são comumente utilizadas por todos. Inclusive, uma cena curtinha mostra um cara anunciando LSD aos quatro ventos. Nunca tinha visto tanta gente reunida com o mesmo objetivo: get high, listen to music and have fun. Literalmente, TODOS tinham esse objetivo. Salvo engano, não sei de outra época na História na qual uma grande porção da humanidade se comportou de maneira tão hedonista. Era uma maneira ingênua de lutar contra a guerra do Vietnã: ao invés do dever e do auto-sacrifício pela pátria, a busca pela paz confundia-se com a busca do prazer acima de tudo.

Infelizmente, ao mesmo tempo em que os hippies eram atraentes para os que se identificavam e queriam fazer parte do movimento, a sua postura provocava uma injustificada agressividade naqueles que não curtiam os ideais do grupo, com especial destaque para os temíveis Hell’s Angels. Estes passam a maior parte do dia metendo a porrada na galera. Sinceramente não percebi ninguém do público querendo invadir o palco para causar problemas. Era visível que todo mundo só queria se divertir. Claro, os mais pirados (peladões e fritando de ácido) eram um pouco mais inconvenientes, mas não representavam ameaça alguma à segurança das bandas. O próprio vocalista do Jefferson Airplane, Martin Balin, levou pancada porque tentou proteger um casal da violência de um dos Angels.

A idéia por trás da contratação dos Hell’s Angels para fazer a segurança do show tinha inicialmente a finalidade de dispensar a polícia desse serviço, ou seja, realizar um concerto, uma grande festa na verdade, sem a figura da autoridade. A ambição dos Rolling Stones era recriar o mesmo clima de Woodstock, ocorrido seis meses antes. E, de fato, a câmera não pega um policial sequer. A força do Estado estava ausente. Teoricamente, é uma noção fantástica, perfeitamente adequada aos ideais pacifistas da contracultura. Inclusive, foi aplicada com sucesso na Inglaterra – os Stones usaram os Hell’s Angels ingleses como segurança em um show de graça em Londres e não houve maiores problemas. No entanto, na Califórnia, foi descoberto que os Angels contratados, em especial os protagonistas dos atos de violência contra o público, eram neófitos no grupo; nenhum dos líderes estava presente. Pergunto-me se teria feito alguma diferença. O que importa é que o tiro saiu pela culatra com força. Mick Jagger teve que interromper o show diversas vezes para pedir calma aos exaltados. Logo ele, o grande anarquista, bagunceiro, sempre em busca de satisfaction. Os Hell’s Angels não davam a mínima. Eu mesmo preferiria ter levado gás lacrimogêneo, cassetete e bala de borracha na cabeça a ser assassinado a facadas por um motoqueiro filho da puta.

1969 e 70 definem bem a frase “o sonho acabou”. Além da tragédia em Altamont, esse biênio terrível viu o fim dos Beatles; a morte de Janis Joplin, Jimi Hendrix e Brian Jones (membro fundador dos Stones); Nixon toma posse como presidente; a família Manson assassina Sharon Tate, mulher de Polanski; a Guerra do Vietnã ainda está a todo vapor, etc. Em suma, o hedonismo hiperbólico, lisérgico e inconseqüente dos hippies estava em sua fase terminal.

Voltando ao filme, trata-se de um documentário cujo formato incomum me deixou fascinado. Ao contrário dos documentários de hoje em dia, os quais são fortemente baseados em entrevistas e depoimentos, “Gimme Shelter” não apresenta nenhuma entrevista planejada para o filme. Há somente uma cena, curta, que mostra Mick Jagger dando uma entrevista coletiva, na qual apenas divulga o show em Altamont. As cenas de bastidores não revelam muita coisa, talvez pela própria reserva dos Stones em razão da câmera presente. Os diálogos são parcos. Não há grandes discussões a respeito do comportamento brutal dos Angels e da morte de Meredith Hunter. Há simplesmente o registro imparcial dos acontecimentos. Os diretores operavam a câmera, pronto. Faziam cinéma vérité exatamente como um verdadeiro reality show deveria ser, sem planos, sem pauta, apenas bem editado. É por isso que o filme fica tão interessante quando o foco está no público. Por conta da quantidade generosa de tempo dedicado a eles, é possível se transportar para além da tela e se imaginar lá, no meio da galera fumando um, tomando ácido e praticando amor livre. Claro, bem longe do palco e da segurança.

Notas finais: 1) George Lucas operou uma das câmeras durante as filmagens, mas, infelizmente, esta quebrou logo no início dos trabalhos. A edição final de “Gimme Shelter” não contém nada do pouco que Lucas filmou. 2) Meredith Hunter não foi esfaqueado enquanto Jagger cantava “Sympathy for the Devil”. A morte aconteceu logo no início da próxima, “Under my Thumb”. Mesmo assim, por conta de sua subseqüente aura negativa de azar, os Rolling Stones ficaram seis anos sem tocar “Sympathy”.

Menção: A

Link no imdb.

7 comentários:

  1. alguém aqui como eu tentou recriar essa aura nos tempos de segundo grau? quem era adolescente nos anos 90 tinha paixão pelos 65/70 (a era hippie): eu usei boca de sino e batas, basicamente eu queria ser a janis joplin e essa minha galera já era muito anacrônica, porque o grunge já tinha morrido há tempos, e acho que o sucesso da época era o the verve hahaha madonna ray of light, prodigy enfim, tudo tinha que ter uma batida eletrônica... o backstreet boys, as spice girls e a shakira estavam um megasucesso hahaha pode? pode...

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  2. Faltou menção ao Offspring e Green Day. Agora, Stones, Jimi, Janis, Tina Turner, B.B. King, James Brown, isso sim era múica boa...

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  3. Muito boa a resenha, eu sabia da historia da morte no show mas nunca assisti o documentário...

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  4. essa cena da facada no ouvido doeu na alma

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  5. A Tina Turner fazia sexo com o microfone e depois tomava altas porradas do ciumento do Ike...

    Mauricera

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  6. Falando em Janis, estávamos ouvindo ontem, eu e o Andre.

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  7. Nós também! Ontem passamos o dia ouvindo Janis.
    Quanto ao Ike filho da puta, ainda bem que a Tina conseguiu largá-lo. Ela merece todo o crédito do mundo. Uma cantora de estilo único, inconfundível.

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