quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA (THE MAN WHO SHOT LIBERTY VALANCE)

Ano de Produção: 1962
Diretor: John Ford
Roteiristas: James Warner Bellah e Willis Goldback

Atores Principais:

James Stewart – Ranson Stoddard
John Wayne – Tom Doniphon
Vera Miles – Hallie Stoddard
Lee Marvin – Liberty Valance
Edmond O’Brien – Dutton Peabody
Andy Devine – Marshal Appleyard
John Carradine – Major Cassius Starbuckle
Lee Van Cleef – Reese
Woody Strode – Pompey

Faroeste conceitual. Um duelo apenas, nas duas horas de sua duração. Em poucas palavras, o filme é sobre o que fazer com um bully. A primeira opção, representada pelo bom moço James Stewart, é utilizar o poder político do Estado. Prendam o bully e julgue-o perante seus pares. A segunda, personificada na figura de John Wayne, um anti-herói cético e amargurado pelas vicissitudes da vida, é o caminho da arma de fogo, o único instrumento de poder que um bully respeita. Matem o bully e ponto final.

James Stewart retrata um personagem que marca o começo do fim do western clássico. Sua grande missão no filme é provar que o progresso e o bem-estar geral advêm do cumprimento estrito da Lei. Uma sociedade torna-se civilizada quando se abstém de fazer justiça com as próprias mãos e delega esse poder ao Estado. John Wayne põe Stewart no seu lugar – naquela cidade, naquele momento, a justiça está impotente. O poder da força bruta não está nas mãos da polícia, mas em posse daqueles que atiram primeiro, ou seja, Liberty Valance e sua gangue. O povo está à mercê dos grandes fazendeiros, donos da maior parte do território – quase como um Coronelismo – e a Lei se materializa na figura caricata do xerife covarde e ineficiente, retratado por Andy Devine.

Refletindo bem a mentalidade americana, o argumento de John Wayne e sua shotgun prevalecem no final, mas não sem crítica. Ransom Stoddard (Stewart) cede à tentação do caminho mais fácil e, aparentemente, mata Valance (Lee Marvin) num clássico duelo de pistolas. Anos após o fim do caos instaurado pelo vilão, o desenvolvimento e a civilização eventualmente chegam à pequena cidade de Shinbone, porém isto só foi possível porque o povo, inspirado pela morte de Liberty Valance, transformou Stoddard em seu novo líder político e o levou ao Capitólio. A revelação no final é fantástica: sabendo que um advogado idealista, cuja única experiência com armas se resumia a alguns treinos com latas de tinta como alvo, não tinha qualquer chance de vencer Valance num duelo, Tom Doniphon (Wayne) intervém secretamente. Oculto pelas sombras de uma rua estreita, é ele quem dá o tiro de misericórdia e acaba salvando a vida de Stoddard. Ninguém percebe e o advogado leva a fama de justiceiro. Torna-se governador do condado, depois Senador e salva a cidade da desordem. Como bem diz a mulher de Stoddard no final: “Hoje Shinbone é um jardim perto do caos que era antes.” Ah, claro. Ele também ganha a garota. Doniphon permite o triunfo a seu colega pelo bem maior e termina o filme sozinho e bêbado. Nem preciso dizer que o seu fim simboliza também o fim do faroeste à moda antiga.

Algumas cenas são sensacionais.
Peabody, a caricatura do bêbado da cidade, recita Henry V antes de ser espancado por Valance; John Wayne chama alguém de pilgrim pela primeira vez;
intimado a pegar o bife do chão por Valance, Stewart, mesmo estando furioso, acata a ordem do bully a fim de evitar que Valance e Doniphon se matem a tiros... todas cenas memoráveis. Alguns quotes também se tornaram clássicos:
“This is the West. When the legend becomes fact, print the legend.”;
“I’m staying and I ain’t buying a gun!”;
“Nothing's too good for the man who shot Liberty Valance.”;
“Liberty Valance... and his myrmidons!”;
“I know those law books mean a lot to you, but not out here. Out here a man settles his own problems.”

Outro ponto excelente do filme é o elenco. John Wayne, James Stewart e Lee Marvin ficaram famosos não só pela competência, mas também por suas vozes fantásticas e ritmos de fala inconfundíveis. Estamos numa época onde o talento do ator residia em grande parte na sua dicção e expressão facial, certamente uma forte influência do teatro. Talvez a partir daí explicam-se as atuações caricatas do elenco secundário. Além disso, especialmente quando se trata de diretores old school, como John Ford, o casting possuía critérios muito diferentes dos de hoje. Por exemplo, a idade do personagem não precisava, nem de longe, corresponder a do ator. Esse filme leva isso ao extremo. James Stewart, 53 anos na época, interpreta um advogado recém saído da faculdade. O personagem de Wayne, 54, deveria ser jovem como o de Stewart, inclusive porque, ainda solteiro e sem filhos, rivaliza Stoddard, pois também tinha a intenção de se casar com a mocinha, Hallie. O mais esquisito é O.Z. Whitehead, 50 anos, com rugas nos olhos perfeitamente visíveis, desempenhando o papel de um adolescente chupando pirulito.

A nota final é um pouco triste. Mesmo dando o necessário desconto por conta do contexto histórico, o filme ainda possui traços racistas. Afinal, “O Homem que matou o Facínora” foi filmado em 1962, época em que o movimento de liberdades civis já fervilhava nos Estados Unidos. Pompey, o único personagem negro da película, é praticamente o escravo de Wayne. Os dois se dão bem, mas Pompey é sempre tratado com superioridade, como se precisasse de um homem branco para lhe dizer o que fazer e como se comportar. Duas falas, uma de Wayne e uma de Stewart, respectivamente, ilustram bem esse fato: “My boy, Pompey; kitchen door! (Valance looks and sees Pompey at the door holding a rifle)”. Doniphon se refere a seu “assistente” como boy, apesar de terem mais ou menos a mesma idade. Hoje em dia, os negros americanos, ou melhor, os African-Americans, se ofendem profundamente se alguém não-negro os chama de boy. Stewart, por sua vez, no final do filme, oferece alguns trocados a Pompey, pois seu “senhor”, John Wayne, tinha morrido, e solta a seguinte pérola: “It’s pork chop money”. Pompey olha para ele, agradecido. Eu teria jogado o dinheiro na cara dele. Uma verdadeira humilhação. Concluindo, certamente não foi coincidência: durante uma aula de História americana, ministrada por Stoddard ao povo sem instrução da cidade, é pedido a Pompey que recite de memória um trecho da Declaração de Independência. Ele esquece a seguinte parte: "All men are created equal." Com um sorriso de orgulho estampado no rosto, Stoddard e a turma professam em voz alta o referido trecho e, num nível subliminar, deixam bem claro a Pompey, "não somos racistas, somos todos iguais, mas você tem que saber o seu lugar, boy."

Mesmo assim, o filme não pode ser considerado ruim sem que se leve o background daqueles que o fizeram em consideração. Embora seja parcialmente datado, por conta dos motivos acima mencionados, “The Man who shot Liberty Valance” se mantém como um clássico cerebral do faroeste, pois discute temas que serão sempre atuais, tais como democracia, justiça, formas de exercício de poder e, claro, como combater facínoras.

Menção: O

Link no imdb.

2 comentários:

  1. Que bom esse elenco, hein? Além dos mencionados tem Vera Miles, Lee Van Cleef... porra, até o John Carradine! (adoro ele como o cientista maluco no Everything You Always Wanted to Know About Sex). Quero assistir, posso pegar emprestado?

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