Ano de Produção: 2003
Diretor: Bernardo Bertolucci
Roteirista: Gilbert Adair
Atores Principais:
Michael Pitt – Matthew
Eva Green – Isabelle
Louis Garrel – Theo
Anna Chancellor – Mother
Robin Renucci – Father
Jean-Pierre Léaud – Himself (Ponta)
Sexo é um dos principais, se não o principal, aspectos da película, certamente um dos assuntos favoritos de Bertolucci. Aqui, o diretor italiano volta à claustrofobia de “O Último Tango em Paris” e mostra o sexo sem pudor em suas diversas dimensões, seja carnal, emocional ou política. E troca de fluidos, com certeza.
Fluidos. É a primeira palavra que me veio à mente depois de apreciar esse nostálgico filme. Mas, antes, é preciso dizer que Theo e Isabelle são irmãos gêmeos, siameses no nascimento. Os dois possuem uma marca idêntica na mesma posição do braço, presumidamente, resultado de separação cirúrgica. A amizade entre ambos é tão intensa, que transcende o conceito comum de amor fraternal. Matthew complementa o triângulo e, a partir daí, passam a compartilhar tudo. Embora não haja, de fato, sexo entre os irmãos (aquele tradicional com penetração), sua intimidade não tem fronteiras, tudo é permitido em sua cumplicidade. Todo esse “sharing” reflete a qualidade siamesa da relação entre Theo e Isabelle, agora estendida temporariamente a Matthew. Alguns dias se passam e os três já formam um verdadeiro amálgama, indissociável e invencível. Estranhamente, esse amálgama é mais bem ilustrado pelo constante compartilhamento de fluidos.
O primeiro se dá logo no início, quando os personagens ainda estão se conhecendo. Matthew está na casa de seus novos amigos. Ele precisa ir ao banheiro. Lá, já aclimatado na cultura parisiense, começa a mijar na pia. Nervoso, se atrapalha e esbarra numa escova de dente, que cai na pia cheia de água e urina. Matthew dá uma lavadinha nela só com água e deixa-a lá. No dia seguinte, Theo está usando a mesma escova e até a oferece emprestada a Matthew, que, lógico, nega e diz que prefere usar o dedo. Sangue, por exemplo. Matthew tira a virgindade de Isabelle e, tanto ele quanto Theo tocam o seu sangue virginal. Os três brincam de sexo o tempo todo. Isabelle perde a virgindade, porque ela não consegue adivinhar o filme do qual Theo faz uma mímica. Foi apenas o pagamento de uma prenda.
Uma cena marcante da película acontece quando os três tomam banho juntos na banheira e Isabelle menstrua. Ao perceberem o sangue menstrual se espalhar pela água, ninguém parece se importar. Eles curtem na verdade. Outra cena emblemática e belíssima mostra Matthew e Isabelle a sós no cinema, se beijando profundamente. É o que há de mais sensual no filme, pois é a única vez que ambos trocam carícias sem que isso seja parte de um jogo.
A única coisa que pode quebrar o encanto do amálgama é o mundo lá fora. Nenhum dos três conscientemente rejeita a realidade, mas, de maneira muito cômoda (os pais sempre deixam o checão em cima da mesa), se retiram dela, fisicamente – dentro de casa e da sala de cinema – e politicamente – o pau está comendo nas ruas de Paris de 68 e eles ficam discutindo cinema, marxismo, maoísmo, tudo de ponto de vista puramente teórico e ingênuo. E faziam amor. Muito. Mais do que sonhadores, os três protagonistas são verdadeiros hedonistas.
Pensando bem, todos nessa época eram sonhadores, especialmente os que se manifestavam nas ruas. É impressionante como éramos tão diferentes há apenas quarenta anos. Nos anos sessenta, era charmoso e sofisticado discutir as grandes questões, aquelas com inicial maiúscula – Beleza, Amor, Arte. O intelectual era uma figura de admiração, um exemplo a ser seguido, pois eram muito mais românticos em suas ambições. O intelectual de hoje é visto como um babaca tedioso, cheio de si, fechado no seu mundinho puramente acadêmico (em geral, com uma certa razão). É aquele que é vaiado numa conversa de bar quando menciona qualquer coisa que se assemelhe a uma idéia. Se mencionar algum escritor ou artista plástico então, é tachado de pedante na hora. No século XXI, as pessoas se reúnem unicamente para falar besteira, trivialidades, amenidades. Antes, experimentava-se o prazer, ou melhor, fruía-se a vida, os livros, filmes, música, uma boa conversa... Hoje, as pessoas buscam somente o Entretenimento no seu tempo livre, e o Entretenimento não permite discussão de idéias, não pode acrescentar nada. Ele mastiga tudo e vai direto ao ponto. O “ponto” nos é dado de mão beijada. Não há tempo a perder, dá muito trabalho pensar para chegar lá.
É triste constatar que nos transformamos numa sociedade tão pragmática, sem ideais, sem sonhos, sem sensualidade, sem “perda de tempo”. Faça um teste: toda vez que alguém ou algum meio de comunicação mencionar que algo é bom e depois explicar o porquê, substitua a palavra “bom” por “eficiente” e veja se encaixa.
Menção: F
Link no imdb.
Em primeiro lugar, devo agradecer pela crítica de hoje. Vi este filme pela primeira vez há pouco mais de uma semana e achei fantástico, envolvente e surpreendente. A vida de prazeres construída no início da trama cai por terra no desenrolar da trama, o que traz um aspecto realista muito bem concatenado à película. Beautiful!
ResponderExcluirTaís,
ResponderExcluirAcima de tudo, agradeço-te por ser a mais nova seguidora do blog. Muito fera.
Quanto ao filme, acho o seu comentário em relação ao desfecho muito pertinente. Realmente, nota-se nas entrelinhas uma crítica ao comportamento escapista dos três, o qual permanece inalterado até os últimos segundos, quando o "amálgama" é rompido pela realidade dos coquetéis Molotov.
e nós como sempre atrasados: o primeiro celular (daqueles que só servem para telefonar pra alguém) somente em 2004, o primeiro blog em 2011 e o primeiro twitter daqui há dez anos, quem sabe? a gente insiste no contato humano e a tecnologia tem servido às nossas convicções, até então. primeiro, a resistência ao novo. eu sei que essa insistência é careta, birrenta e nos ostraciza. de qualquer forma nesse idílio não é preciso muita gente mesmo.
ResponderExcluirEu faço questão de contato humano. Nada melhor do que uma boa conversa. Ao vivo, é claro! Aliás, discordo quando você diz que a nossa resistência à tecnologia nos ostraciza. Na verdade, a tecnologia, especialmente as ferramentas de comunicação da internet, muitas vezes nos distancia daquelas experiências que nos permitem crescer e amadurecer. Eu acho que o mundo de hoje é imaturo muito por conta da internet!
ResponderExcluirTô achando divertidíssimo ler os comments das suas postagens mais antigas. Sobre o tema do diálogo entre vc e a Amanda, há um pouco de verdade em cada um dos argumentos. Trazendo a discussão para nosso dia-a-dia, o importante é saber utilizar as ferramentas de comunicação a nosso serviço, sem contudo esquecer que nada melhor que um tête-à-tête na real. Ou não. (Corta o red bull da pessoa!)
ResponderExcluirOu não nada! Um bom tête-à-tête supera qualquer ferramenta virtual de chat! :)
ResponderExcluirOne of us!
ResponderExcluirNovamente Bertolucci ocupa o padrão cinéfilo entre sexo e política. Os Sonhadores é uma história interessante e cativante amor diretamente ligada ao contexto político-cultural aconteceu na primavera de '68 tumultos na cidade de Paris, capturando perfeitamente cenários e ambientes. Uma fita sedutor, com um grande elenco sobre todos os atores de cinema Eva Green (Isabelle) e Louis Gardel (Theo), surpreso com a simplicidade e graça encarnado quando alguns personagens e complexo coloridas, como Michael Pitt que, completando o trio, e ao abrigo de um apático, alucinado enquanto aparentemente atira trabalho com interpretação meticuloso, embora às vezes um pouco inútil. No geral, é um drama de amor cheio de ideais e descobertas que adora o cinema.
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